A Terra, nosso lar, encontra-se em uma encruzilhada crítica. Já em 2023 no artigo, “Earth beyond six of nine planetary boundaries“, a ciência nos advertiu: seis dos nove limites planetários foram transgredidos, indicando que a Terra está bem fora do espaço operacional seguro para a humanidade“. Essa constatação, longe de ser apenas um alarme acadêmico, ecoa com urgência nas esferas da economia, da biodiversidade e da nossa própria relação com o planeta.
Imagine a Terra como um carro. Os cientistas nos deram um aviso preocupante: seis dos nove “check-ups” que garantem o bom funcionamento desse carro estão em níveis críticos! Isso significa que estamos colocando em risco a nossa economia, a natureza e até mesmo a nossa forma de viver. No “Regenera Economia”, exploramos como podemos reverter essa trajetória perigosa.
O Que São os Limites Planetários?
O conceito de Limites Planetários, apresentado em um framework robusto, “baseia-se na ciência do sistema Terra e identifica nove processos críticos para manter a estabilidade e resiliência do sistema Terra“. Esses limites, quando respeitados, garantem que a Terra permaneça em um estado interglacial semelhante ao Holoceno, um período de estabilidade que permitiu o florescimento da civilização humana. Pense nos Limites Planetários como um conjunto de regras que garantem a saúde do nosso planeta.
Cada um desses limites representa um processo fundamental para a saúde do planeta:
Mudanças Climáticas: Controladas pela concentração de CO2 na atmosfera e pelo forçamento radiativo. O aumento da temperatura do planeta, causado pelo excesso de gases como o gás carbônico.
Integridade da Biosfera: Avaliada pela diversidade genética (taxa de extinção) e pela integridade funcional (HANPP – Apropriação Humana da Produção Primária Líquida). A saúde da natureza, que inclui a quantidade de animais e plantas diferentes e a forma como eles interagem.
Mudanças no Sistema Terra: Enfatiza a necessidade de considerar os impactos de forma sistêmica, reconhecendo as interconexões complexas entre os diferentes processos, uma mudança em um lugar pode afetar outros.
Depleção da Camada de Ozônio Estratosférica: Monitorada pela concentração de ozônio estratosférico. A proteção que impede que os raios solares nocivos cheguem à Terra.
Acidificação dos Oceanos: Medida pela concentração de íons carbonato na água do mar. A mudança na água do mar que prejudica a vida marinha.
Fluxos Biogeoquímicos (Ciclos de N e P): Controlados pela fixação industrial e intencional de nitrogênio (N) e pelo fluxo de fósforo (P) de sistemas de água doce para o oceano. O equilíbrio dos nutrientes essenciais para a vida.
Mudanças no Uso do Solo: Avaliadas pela área de terra florestada como porcentagem da cobertura florestal original. A forma como usamos a terra, como para agricultura ou cidades, e o impacto nas florestas
Uso da Água Doce: Monitorado pelo distúrbio induzido pelo homem do fluxo de água azul (superficial e subterrânea) e da água verde (disponível para as plantas). A quantidade de água que retiramos dos rios e lagos, e se estamos deixando o suficiente para a natureza.
Carregamento de Aerossóis Atmosféricos: Medido pela diferença inter-hemisférica em AOD (Profundidade Óptica de Aerossol).
Novas Entidades: Controladas pela porcentagem de produtos químicos sintéticos liberados no ambiente sem testes de segurança adequados.
O Alarme Soou: O Estado Atual dos Limites e a Crise Ambiental
A situação é crítica. Os cientistas já nos alertaram: ultrapassamos diversos limites que garantem a estabilidade do nosso planeta. Isso significa que estamos correndo sérios riscos! Vamos entender melhor o que isso significa:
Mudanças Climáticas: Os cientistas medem a quantidade de gás carbônico (CO2) na atmosfera e o quanto a Terra está retendo de calor (forçamento radiativo). Os números mostram que a concentração de CO2 chegou a 417 ppm (partes por milhão) e o forçamento radiativo a +2.91 W m-2. Esses valores são muito altos e estão causando o aquecimento global. É como se estivéssemos queimando combustível em um ritmo tão acelerado que a fumaça (gases do efeito estufa) está se acumulando na atmosfera, impedindo que o calor do sol escape e superaquecendo o planeta.
Integridade da Biosfera: Os cientistas avaliam a saúde da natureza pela quantidade de animais e plantas que estão desaparecendo (taxa de extinção) e pela quantidade de recursos naturais que os humanos estão usando (HANPP). Os dados mostram que a taxa de extinção é maior que 100 E/MSY (espécies extintas por milhão de espécies por ano) e que estamos usando 30% mais recursos do que o planeta pode naturalmente produzir (HANPP de 30% da NPP Holocênica). É como se estivéssemos destruindo a casa de muitos animais e plantas e, ao mesmo tempo, consumindo mais comida do que temos disponível.
Mudanças no Uso do Solo: Os cientistas medem a quantidade de florestas que ainda existem no planeta. Os dados mostram que a cobertura florestal global é de apenas 60%. É como se estivéssemos derrubando árvores demais, perdendo importantes “pulmões” do planeta.
Fluxos Biogeoquímicos: Os cientistas monitoram a quantidade de nutrientes (como nitrogênio e fósforo) que estão circulando no planeta. Os dados mostram que estamos usando 190 Tg de N (teragramas de nitrogênio) por ano e que o fluxo de P (fósforo) é de 22.6 Tg por ano. Isso está desequilibrando os ciclos naturais e causando poluição. É como se estivéssemos jogando lixo demais nos rios e lagos, poluindo a água e prejudicando a vida aquática.
Uso da Água Doce: Os cientistas medem o quanto estamos perturbando o ciclo natural da água. Os dados mostram que estamos causando distúrbios na água azul (rios e lagos) em 18.2% e na água verde (disponível para as plantas) em 15.8%. É como se estivéssemos retirando água demais dos rios e lagos, deixando a natureza com sede.
Novas Entidades: Os cientistas avaliam a quantidade de produtos químicos que estamos lançando no meio ambiente sem testar seus efeitos. Os dados mostram que estamos lançando muitos produtos químicos não testados, o que é muito perigoso. É como se estivéssemos jogando remédios desconhecidos na natureza, sem saber se eles vão causar algum mal.
Acidificação dos Oceanos: Os cientistas medem a quantidade de íons carbonato na água do mar (Ωarag). Os dados mostram que o valor é de 2.8, próximo ao limite de segurança. É como se estivéssemos colocando vinagre no oceano, prejudicando a vida marinha.
Se continuarmos nesse ritmo, corremos o risco de “perder características semelhantes ao Holoceno”, ou seja, de transformar o planeta em um lugar muito diferente do que conhecemos, com consequências graves para a humanidade.
HANPP: A Apropriação da Vida do Planeta
Um dos limites planetários mais importantes (e talvez menos conhecidos) é a Apropriação Humana da Produção Primária Líquida, ou HANPP. O que significa essa sopa de letrinhas?
Imagine que o planeta tem uma “conta bancária” de energia, chamada NPP (Produção Primária Líquida). Essa energia é criada pelas plantas através da fotossíntese e é a base de toda a vida na Terra, alimentando desde os menores insetos até os maiores animais, incluindo nós, humanos.
HANPP, então, é a quantidade dessa “conta bancária” que nós, humanos, estamos usando. Usamos essa energia para tudo: para produzir alimentos, construir casas, fabricar produtos e até mesmo para nos locomover.
O problema é que estamos usando demais dessa “conta bancária”. Os cientistas criaram um limite para garantir que a natureza tenha energia suficiente para se manter saudável e continuar nos fornecendo serviços essenciais, como ar puro e água limpa.
O artigo científico nos alerta: precisamos “proteger a contribuição da NPP para um sumidouro de carbono associado à fertilização por CO2”. Em outras palavras, precisamos garantir que as florestas e outros ecossistemas tenham energia suficiente para absorver o gás carbônico que emitimos.
A situação atual é preocupante: “HANPP de 30% da NPP média do Holoceno, bem além de um limite planetário cauteloso”. Isso significa que estamos retirando mais energia do planeta do que ele pode repor, colocando em risco a nossa própria sobrevivência e a de outras espécies.
Um Sistema Interconectado em Risco
Não podemos encarar esses limites de forma isolada. Transgredir um limite pode alterar os gradientes de risco para outros limites, criando um efeito cascata que pode desestabilizar todo o sistema Terra.
Um exemplo claro dessa interconexão é a relação entre as mudanças climáticas e a integridade da biosfera. O aquecimento global intensifica a perda de biodiversidade, que por sua vez compromete a capacidade dos ecossistemas de absorver carbono, acelerando ainda mais as mudanças climáticas.
Para entender a complexidade dessas interações, precisamos de modelos que capturem as interações entre todas as esferas do sistema Terra. Os resultados da modelagem apresentados no artigo revelam:
- O impacto combinado das mudanças climáticas e do uso do solo no armazenamento de carbono terrestre e na temperatura global.
- A importância de manter a cobertura florestal para mitigar as mudanças climáticas.
- A influência das mudanças climáticas nos sumidouros de carbono mediados biologicamente no oceano.
Qual o Caminho a Seguir?
Diante desse cenário desafiador, qual o caminho a seguir? A resposta não é simples, mas passa inevitavelmente por uma mudança de paradigma. Precisamos abandonar a lógica da exploração desenfreada e adotar uma abordagem sistêmica e regenerativa. Precisamos repensar a forma como produzimos, consumimos e nos relacionamos com o planeta.
A Economia Regenerativa surge como uma alternativa promissora, um sistema que visa restaurar e regenerar os ecossistemas, em vez de apenas extrair recursos. No “Regenera Economia”, acreditamos que esse é o caminho para um futuro sustentável.
Economia Regenerativa: A Receita para um Futuro Próspero e Sustentável
Diante desse cenário desafiador, a pergunta que não quer calar é: como podemos reverter essa trajetória perigosa e garantir um futuro próspero e sustentável para a humanidade? A resposta, embora complexa, aponta para uma mudança de paradigma: a transição para uma Economia Regenerativa.
O Que é Economia Regenerativa?
Em vez de apenas extrair recursos e gerar lucros, a Economia Regenerativa busca restaurar e regenerar os ecossistemas, promovendo a saúde do planeta e o bem-estar das pessoas. É um sistema que se baseia em princípios como:
- Pensamento Sistêmico: Reconhecer as interconexões entre os diferentes elementos do sistema Terra e buscar soluções que abordem as causas raízes dos problemas.
- Circularidade: Eliminar o desperdício e criar ciclos fechados de materiais, inspirados na natureza.
- Biodiversidade: Promover a diversidade de espécies e ecossistemas para aumentar a resiliência do planeta.
- Justiça Social: Garantir que os benefícios da Economia Regenerativa sejam distribuídos de forma equitativa, combatendo a desigualdade e a pobreza.
Um Chamado à Ação: Seja a Mudança que Você Quer Ver no Mundo
A transição para uma Economia Regenerativa não é uma utopia distante, mas sim um caminho que trilhamos juntos, a cada escolha, a cada ação. É hora de despertar o poder que reside em cada um de nós e transformar a nossa realidade.
Repense seu consumo: Cada compra é um voto, uma declaração de valores. Priorize empresas que honram o planeta e as pessoas, que cultivam a justiça social e a transparência. Descarte a cultura do descartável e abrace a beleza da durabilidade, da qualidade e da responsabilidade.
Seja um guardião dos recursos: Transforme sua rotina em um ato de cuidado. Reduza o desperdício, reutilize o que puder, recicle com paixão. Caminhe, pedale, use o transporte público. Deixe um legado de respeito por cada gota d’água, cada raio de sol, cada sopro de vento.
Invista em um futuro regenerativo: Apoie empresas e projetos que estão restaurando ecossistemas, promovendo a agricultura regenerativa, construindo comunidades resilientes e criando soluções inovadoras para os desafios ambientais. Seja um catalisador da mudança, um semeador de esperança.
Eleve sua voz em defesa do planeta: Exija de seus representantes políticos ações concretas para proteger o meio ambiente, combater as mudanças climáticas e promover a Economia Regenerativa. Vote com consciência, participe de manifestações pacíficas, pressione por políticas públicas que priorizem o bem comum.
Compartilhe a visão de um mundo regenerativo: Espalhe a mensagem da Economia Regenerativa em suas redes sociais, em suas conversas com amigos e familiares, em seus círculos de influência. Inspire outras pessoas a se juntarem a esse movimento transformador.
Lembre-se: a Economia Regenerativa não é apenas um conjunto de práticas, mas sim uma filosofia de vida, uma forma de se relacionar com o mundo com mais respeito, gratidão e responsabilidade. Ao abraçar essa visão, você se torna parte de uma força poderosa que está moldando um futuro mais justo, próspero e sustentável para todos.
Referência
RICHARDSON, Katherine; STEFFEN, Will; LUCHT, Wolfgang; BENDTSEN, Jørgen; CORNELL, Sarah E.; et al. Earth beyond six of nine planetary boundaries. Science Advances, v. 9, n. 37, 13 set. 2023.