Erva-mate em agrofloresta sequestra Carbono

Créditos de Carbono em Agroflorestas: Certificação de Sistemas de Erva-Mate no Sul do Brasil

A erva-mate, planta nativa da América do Sul e ícone cultural do sul do Brasil, está prestes a ganhar um novo papel na luta contra as mudanças climáticas. Com a crescente preocupação global em relação às emissões de gases de efeito estufa e a busca por soluções sustentáveis, os sistemas agroflorestais de erva-mate estão emergindo como uma promissora fonte de créditos de carbono. Este artigo explora como a certificação desses sistemas está transformando a paisagem agrícola e econômica da região, oferecendo benefícios ambientais, sociais e financeiros.

O Potencial Ambiental da Erva-Mate na Captura de Carbono

A Ilex paraguariensis, conhecida popularmente como erva-mate, é uma espécie arbórea nativa da Mata Atlântica. Tradicionalmente cultivada em sistemas agroflorestais, a erva-mate desempenha um papel crucial na manutenção da biodiversidade e na captura de carbono. Estes sistemas, que integram a produção de erva-mate com outras espécies arbóreas nativas, são verdadeiros sumidouros de carbono, capazes de sequestrar quantidades significativas de CO2 da atmosfera.

Estudos recentes indicam que um hectare de sistema agroflorestal de erva-mate pode sequestrar em média 5 toneladas de CO2 equivalente por ano. Este potencial de captura de carbono, aliado à preservação da biodiversidade e à melhoria da qualidade do solo, torna esses sistemas ideais para a geração de créditos de carbono de alta qualidade.

Oportunidades para Erva-Mate no Mercado de Créditos de Carbono

O mercado global de créditos de carbono tem experimentado um crescimento exponencial nos últimos anos. Empresas e governos em todo o mundo estão buscando maneiras de compensar suas emissões, e os créditos gerados por projetos florestais e agroflorestais estão entre os mais valorizados. Neste contexto, os sistemas de erva-mate do sul do Brasil encontram-se em uma posição privilegiada para atender a esta demanda crescente.

A certificação destes sistemas para a geração de créditos de carbono não apenas oferece uma nova fonte de renda para os produtores, mas também incentiva práticas agrícolas mais sustentáveis. Ao adotar técnicas de manejo que maximizam a captura de carbono e promovem a biodiversidade, os produtores de erva-mate podem contribuir significativamente para a mitigação das mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que diversificam suas fontes de renda.

Como Certificar Sistemas Agroflorestais de Erva-Mate para Créditos de Carbono

A certificação de sistemas agroflorestais de erva-mate para a geração de créditos de carbono segue padrões rigorosos estabelecidos por organizações internacionais. Uma das opções disponíveis é a metodologia VM0047, intitulada “Florestamento, Reflorestamento e Revegetação”, lançada pela Verra em 2023. Esta metodologia é aplicável a projetos de Agricultura, Florestas e Outros Usos da Terra (AFOLU) e é utilizada para quantificar as remoções de carbono em sistemas agroflorestais de erva-mate. No entanto, há outras metodologias disponíveis, e a escolha da mais apropriada dependerá das características específicas de cada projeto, como escala e objetivos.

O processo de certificação envolve várias etapas:

Desenvolvimento do Projeto: Nesta fase, os produtores e técnicos definem as práticas de manejo que serão implementadas para aumentar a captura de carbono. Isso pode incluir o adensamento de árvores nativas, a adoção de técnicas de conservação do solo e a eliminação do uso de agroquímicos.

Validação: Um auditor independente verifica se o projeto atende aos critérios da metodologia escolhida e se as estimativas de captura de carbono são realistas e conservadoras.

Registro: O projeto é registrado na plataforma da Verra ou outra, tornando-se oficialmente elegível para gerar créditos de carbono.

Monitoramento: Os produtores implementam um sistema de monitoramento contínuo para quantificar a captura de carbono e outros benefícios ambientais.

Verificação: Periodicamente, um auditor independente verifica os resultados do monitoramento e confirma a quantidade de créditos de carbono gerados.

Emissão de Créditos: Com base nos resultados verificados, a Certificadora emite os créditos de carbono, que podem então ser vendidos no mercado voluntário.

Práticas Regenerativas e Adicionalidade para gerar Créditos de Carbono

Um conceito fundamental na geração de créditos de carbono é a adicionalidade. Este princípio garante que os créditos representem uma redução real nas emissões de gases de efeito estufa ou um aumento na captura de carbono que não teria ocorrido sem o projeto. No contexto dos sistemas agroflorestais de erva-mate, a adicionalidade é alcançada através da adoção de práticas regenerativas que vão além do cenário de “business as usual“.

É importante destacar que monoculturas de erva-mate a pleno sol, embora comuns em algumas regiões, não são elegíveis para a geração de créditos de carbono sob a metodologia VCS VM0047. Esta metodologia exige a implementação de práticas regenerativas que aumentem significativamente a captura de carbono e promovam a biodiversidade.

Para se qualificarem, os produtores de erva-mate precisam adaptar seus sistemas de produção, introduzindo espécies nativas e adotando práticas regenerativas. Algumas das principais práticas incluem:

  • Introdução de Espécies Nativas: A araucária (Araucaria angustifólia) é uma excelente opção para integração com a erva-mate. Além de aumentar a captura de carbono, a araucária fornece sombra parcial para a erva-mate, melhorando a qualidade das folhas e proporcionando uma fonte adicional de renda através da venda do pinhão.
  • Manejo do Solo: A adoção de técnicas como o plantio direto, a cobertura permanente do solo e o uso de adubação verde aumenta a matéria orgânica do solo, melhorando sua capacidade de retenção de água e carbono.
  • Redução de Agroquímicos: A transição para métodos de controle biológico de pragas e doenças, bem como o uso de biofertilizantes, reduz as emissões associadas à produção e aplicação de agroquímicos sintéticos.
  • Manejo Sustentável da Água: A implementação de sistemas de captação e armazenamento de água da chuva, bem como técnicas de irrigação eficiente, aumenta a resiliência do sistema às mudanças climáticas.
  • Corredores Ecológicos: A criação de corredores de vegetação nativa entre as áreas de produção facilita o movimento da fauna local e aumenta a conectividade entre fragmentos florestais.

A transição de monoculturas de erva-mate a “pleno sol” para sistemas agroflorestais regenerativos representa um desafio significativo para muitos produtores. No entanto, os benefícios a longo prazo são substanciais. Além da geração de créditos de carbono, estes sistemas oferecem:

  • Maior Resiliência: Sistemas diversificados são mais resistentes a pragas, doenças e eventos climáticos extremos.
  • Qualidade Superior: A erva-mate sombreada por espécies nativas geralmente produz folhas de melhor qualidade, alcançando preços mais altos no mercado.
  • Diversificação de Renda: A introdução de outras espécies produtivas reduz a dependência de uma única cultura.
  • Serviços Ecossistêmicos: Além da captura de carbono, estes sistemas promovem a conservação da biodiversidade, a regulação hídrica e a polinização.

O processo de transição para práticas regenerativas requer planejamento cuidadoso e, muitas vezes, investimento inicial significativo. É aqui que a geração de créditos de carbono pode desempenhar um papel crucial, fornecendo os recursos financeiros necessários para implementar estas mudanças.

A adicionalidade destes projetos é demonstrada através de um monitoramento rigoroso e comparação com linhas de base estabelecidas. Por exemplo, um produtor que converte 10 hectares de monocultura de erva-mate a pleno sol em um sistema agroflorestal diversificado pode aumentar a captura de carbono em 50 toneladas de CO2 equivalente por ano. Este aumento na captura de carbono, que não ocorreria sem a intervenção do projeto, representa a adicionalidade que justifica a geração de créditos de carbono.

Capacidade de Sequestro de Carbono nos Ervais

Os ervais, quando manejados adequadamente em sistemas agroflorestais, podem efetivamente contribuir para o sequestro de carbono. Isso ocorre tanto na biomassa aérea — incluindo troncos, galhos e folhas — quanto no solo. Esses sistemas são conhecidos por promover a biodiversidade e melhorar a estrutura do solo, ambos fatores importantes para a captura eficaz de carbono.

Embora estimativas sugiram que sistemas agroflorestais de erva-mate possam sequestrar entre 5 a 20 toneladas de CO2 por hectare anualmente, é essencial considerar que essa variação depende de múltiplos fatores. As práticas de manejo, a idade do erval e as condições climáticas locais influenciam significativamente a capacidade de sequestro. Portanto, análises específicas são fundamentais para determinar o real potencial de captura de carbono em cada contexto

Fatores que Influenciam o Sequestro de Carbono:

  • Tipo de Sistema: Sistemas agroflorestais com uma diversidade maior de espécies têm uma capacidade superior de sequestro comparado a monoculturas a pleno sol. A introdução de espécies nativas, como a araucária, em conjunto com a erva-mate, pode aumentar significativamente a capacidade de captura de carbono.
  • Idade do Erval: Ervais mais jovens tendem a sequestrar carbono a taxas mais altas devido ao seu rápido crescimento, enquanto ervais estabelecidos têm uma taxa de sequestro mais estável.
  • Condições Climáticas: Fatores como temperatura e precipitação influenciam o crescimento das plantas e a capacidade de capturar carbono.
  • Práticas de Manejo: Práticas como o uso de cobertura morta, adubação orgânica e técnicas que evitem a aração profunda do solo podem otimizar o armazenamento de carbono no solo.
  • Características do Solo: A textura, a estrutura e o teor de matéria orgânica do solo influenciam bastante a capacidade de armazenamento de carbono.

Benefícios Ambientais e Econômicos da Certificação da Erva-Mate

A certificação de sistemas agroflorestais de erva-mate para geração de créditos de carbono traz uma série de benefícios:

Renda Adicional: Os produtores podem obter uma nova fonte de renda através da venda de créditos de carbono, complementando a receita obtida com a venda da erva-mate.

Incentivo à Sustentabilidade: A certificação promove a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis, contribuindo para a conservação do solo, da água e da biodiversidade.

Valorização do Produto: A erva-mate produzida em sistemas certificados pode alcançar preços mais altos no mercado, dado o crescente interesse dos consumidores por produtos sustentáveis.

Preservação Cultural: A certificação ajuda a preservar os sistemas tradicionais de cultivo de erva-mate, que fazem parte da herança cultural da região sul do Brasil.

Mitigação das Mudanças Climáticas: Ao incentivar a captura de carbono, estes projetos contribuem diretamente para os esforços globais de combate às mudanças climáticas.

Desafios e Oportunidades na Certificação de Agroflorestas de Erva-Mate

Apesar dos benefícios evidentes, a certificação de sistemas agroflorestais de erva-mate para geração de créditos de carbono também enfrenta desafios:

Custos Iniciais: O processo de certificação e a implementação de práticas de manejo aprimoradas podem requerer investimentos significativos, que nem todos os produtores têm condições de fazer.

Complexidade Técnica: O monitoramento e a quantificação precisa da captura de carbono exigem conhecimentos técnicos específicos, que muitas vezes não estão disponíveis localmente.

Volatilidade do Mercado: Os preços dos créditos de carbono podem flutuar significativamente, introduzindo um elemento de incerteza na rentabilidade dos projetos.

Escala Mínima: Para serem economicamente viáveis, os projetos de crédito de carbono geralmente requerem uma escala mínima, o que pode exigir a cooperação entre vários produtores.

No entanto, estas dificuldades também representam oportunidades para inovação e cooperação.

O Papel da Tecnologia

A tecnologia está desempenhando um papel cada vez mais importante na certificação e monitoramento de projetos de crédito de carbono em sistemas agroflorestais de erva-mate. Algumas inovações promissoras incluem:

Sensoriamento Remoto: O uso de drones e imagens de satélite permite um monitoramento mais preciso e eficiente da cobertura florestal e da captura de carbono.

Internet das Coisas (IoT): Sensores instalados nos ervais podem coletar dados em tempo real sobre condições do solo, umidade e crescimento das plantas, otimizando o manejo e aumentando a precisão das estimativas de captura de carbono.

Blockchain: Esta tecnologia está sendo explorada para aumentar a transparência e a rastreabilidade dos créditos de carbono, reduzindo o risco de fraudes e aumentando a confiança dos compradores.

Inteligência Artificial: Algoritmos de aprendizado de máquina podem analisar grandes volumes de dados para otimizar as práticas de manejo e prever com maior precisão a captura de carbono futura.

Impacto Social e Econômico

A certificação de sistemas agroflorestais de erva-mate para geração de créditos de carbono tem o potencial de transformar significativamente as comunidades rurais do sul do Brasil. Além dos benefícios ambientais, estes projetos podem:

Gerar Empregos: A implementação e o monitoramento dos projetos de crédito de carbono criam novas oportunidades de emprego qualificado nas áreas rurais.

Aumentar a Renda Rural: A diversificação das fontes de renda através da venda de créditos de carbono pode aumentar significativamente a rentabilidade das propriedades rurais.

Promover a Educação: A necessidade de conhecimentos técnicos específicos incentiva a capacitação e a educação continuada dos produtores e trabalhadores rurais.

Fortalecer as Comunidades: A organização coletiva necessária para viabilizar projetos de crédito de carbono pode fortalecer os laços comunitários e empoderar os produtores rurais.

Perspectivas Futuras

O potencial da certificação de sistemas agroflorestais de erva-mate para geração de créditos de carbono é imenso. Com o aumento da pressão global para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a demanda por créditos de carbono de alta qualidade deve continuar crescendo. Ao mesmo tempo, as tecnologias de monitoramento e verificação estão se tornando mais acessíveis e precisas, reduzindo os custos e aumentando a confiabilidade dos projetos.

No entanto, para que este potencial seja plenamente realizado, será necessário um esforço conjunto de produtores, governo, setor privado e organizações da sociedade civil. Políticas públicas de incentivo, linhas de financiamento específicas e programas de capacitação serão cruciais para superar os desafios iniciais e permitir que um número maior de produtores se beneficie desta oportunidade.

Conclusão

A certificação de sistemas agroflorestais de erva-mate para geração de créditos de carbono representa uma oportunidade única de aliar preservação ambiental, desenvolvimento econômico e valorização cultural. Ao transformar práticas agrícolas tradicionais em soluções para os desafios climáticos globais, estes projetos não apenas contribuem para a mitigação das mudanças climáticas, mas também oferecem um caminho para um futuro mais sustentável e próspero para as comunidades rurais do sul do Brasil.

O sucesso desta iniciativa pode servir de modelo para outras regiões e culturas, demonstrando como a agricultura pode ser parte da solução para as mudanças climáticas. À medida que avançamos para um futuro de neutralidade de carbono, os ervais do sul do Brasil estão se posicionando não apenas como produtores de uma bebida tradicional, mas como guardiões da biodiversidade e aliados cruciais na luta contra as mudanças climáticas.

Verra. (2023). VM0047, Versão 1.0: Florestamento, Reflorestamento e Revegetação. Disponível em: https://verra.org/methodologies/vm0047-afforestation-reforestation-and-revegetation-v1-0/